domingo, 18 de julho de 2010

Soberania e Responsabilidade Humana

Quando me coloco a pensar , orar e muitas vezes perder o sono com as questões da Fé , me achego a um ponto onde a mente racional não traz nenhum entendimento diante do Paradoxo da Salvação . Por vezes abraço o Calvinismo , exaltando a Soberania de Nosso Senhor que Elege e predestina , em outras me sinto arminiano , me preocupando em relação a responsabilidade humana e até mesmo buscando uma defesa ao Projeto Eterno que não é fatalista mas é perfeito .
A Bíblia sustenta igualmente a soberania de Deus e a liberdade humana. Como vimos nos posts anteriores, há textos que falam sobre os decretos de Deus, sobre a predestinação e sobre o absoluto controle que Deus exerce sobre o mundo e sobre suas criaturas por meio da providência, mas também há textos que falam que o ser humano é livre para fazer suas próprias escolhas, que não é coagido a nada, e que é o único responsável por suas atitudes. Quem lê só os primeiros textos, diz que seu Deus sabe todas as coisas, nunca é surpreendido por coisa alguma, nunca muda de opinião e mantém tudo sob seu mais estrito e absoluto controle, e, às vezes, por isso, essa pessoa assume uma concepção teológica que poderia ser chamada de hipercalvinismo. Quem lê apenas os últimos textos percebe que, às vezes, esse Deus parece se arrepender, mudar de opinião, agir de um modo que ele próprio havia dito que não agiria e parece um tanto quanto surpreendido com atitudes do ser humano. Então, essa pessoa advoga uma posição conhecida como arminianismo. Quem está com a razão? Qual teologia está mais correta? Qual é a melhor “descrição de Deus”? As duas se baseiam em textos bíblicos, mas apenas nos textos que sustentam sua própria visão. Ambas estão erradas justamente porque querem forçar um padrão que simplesmente não há no texto bíblico. Ambas querem eliminar as exceções e fixar um modo estrito de Deus agir. Isso é iluminismo, a filosofia que desejava enquadrar todas as coisas dentro de uma concepção estática da realidade e, justamente por isso, excluiu o próprio Cristianismo de "seu mundo", o mundo da ciência.

O curioso é que a Bíblia narra que, ao mesmo tempo, Deus é soberano e o homem é livre e responsável, e faz isso num mesmo texto, e várias vezes, sem tentar harmonizar ou dar maiores explicações como já vimos anteriormente no primeiro post desta série (Veja Fp 2.12-13; Lc 22.22; At 2.22-23).

A Confissão de Fé de Westminster captou isso perfeitamente. Uma leitura atenta do texto da confissão mostra que algumas palavras frequentemente aparecem. São elas: “mas”, “porém”, “contudo”, “todavia”, etc. Essas palavras são conjunções adversativas. É preciso perguntar: Por que há tantas conjunções adversativas na Confissão de Fé? A resposta é que os teólogos puritanos de Westminster não quiseram eliminar o paradoxo. Veja um dos textos mais conhecidos da confissão:

“Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas” (III,1).

É impressionante como os teólogos de Westminster entenderam o paradoxo bíblico e não o quiseram eliminar. Isso prova que eles não foram racionalistas. Um racionalista nunca poderia sustentar as duas afirmações acima ligadas pela palavra “porém”. Um racionalista só poderia dizer que, ou Deus decretou tudo, ou o homem é livre. Mas os teólogos de Westminster não estavam presos aos padrões da lógica racionalista, eles estavam presos aos padrões das Escrituras. Justamente porque as Escrituras sustentam esse paradoxo de forma tão claro, eles também sustentaram. Mas muitos que se dizem calvinistas hoje não conseguem manter esses dois conceitos juntamente e, mesmo dizendo que confessam a CFW, ignoram esse elemento tão claro nela.

O paradoxo não diz respeito apenas às doutrinas da soberania de Deus e da responsabilidade humana. Deus é um ser paradoxal e isso pode ser visto em toda a Bíblia. Ele é transcendente e imanente. Tem propósitos eternos e ação temporal. É justo e amoroso. Quase sempre a sustentação dessas virtudes, principalmente como elas são descritas na Bíblia, só poderia ser considerada contraditória pela mente enciclopédica iluminista. O próprio conceito mais equilibrado sobre a inspiração atesta que a Bíblia é palavra de Deus e palavra do homem. O que é isso senão um grande paradoxo? Jesus Cristo é totalmente Deus e totalmente homem. É o logos eterno que se encarnou. É o imortal que morreu na cruz. Esse é o supremo paradoxo da Bíblia. Nenhuma descrição poderia ser mais incompreensível para uma mente puramente racional do que essa. O homem descrito pela Bíblia também é um ser paradoxal. Ele é mortal, mas tem uma alma imortal. É bom, mas é mau, pois é feito à imagem de Deus (que ainda permanece depois da queda), mas é totalmente depravado em virtude do pecado.

O que se pretende dizer com isso é que o conceito de verdade sustentado pela Bíblia nada tem a ver com o conceito proposicional do iluminismo. O conceito de verdade apresentado pelo Novo Testamento é diferente do conceito racionalista de algo que pode ser testado objetivamente por ferramentas cartesianas ou aristotélicas. Verdade, conforme o Novo Testamento, “não é algo abstrato nem puramente objetivo; é pessoal” (McGrath, 2007, pág. 149). A verdade chama as pessoas para um relacionamento, para um pacto. Conhecer a verdade, portanto, é muito mais do que assentir intelectualmente para algo, ou chegar à conclusão de que aquilo passou nos testes de averiguação, e sim experimentar no interior uma certeza confirmada pelo Espírito Santo que faz sentido tanto para o intelecto quanto para o coração. Grenz diz: “Não devemos deixar de reconhecer a importância fundamental do discurso racional, porém, nossa compreensão da fé não deve se limitar à abordagem proposicional que nada mais vê na fé cristã a não ser a correção da doutrina ou a verdade doutrinária” (1997, pág. 246).

Os teólogos reformados que negam o paradoxo porque acham que ele não se encaixa com os padrões da lógica precisam lembrar que essa não é a única coisa no cristianismo e na Bíblia que não se encaixa. O que dizer da encarnação do Deus-homem, do nascimento virginal, da expiação substitutiva, da ressurreição dos mortos, etc. Essas coisas não podem ser medidas pelos padrões da lógica humana, são supra-racionais, pois estão muito além da razão humana. Porém, não são irracionais, pois são a pura e simples verdade.

E a pura e simples verdade da Escritura é que precisamos manter os conceitos da Soberania de Deus e da Liberdade Humana juntos, sem abrir mão de um ou de outro, mas crendo que, mesmo que não se encaixem em nossa mente humana e limitada, se encaixam na mente do Deus todo-poderoso e todo-sábio, que não tem conselheiros, nem jamais pediu conselho a ninguém, que tem um entendimento que não se pode medir ou esquadrinhar. Podemos resumir tudo isso dizendo que: O Deus soberano em sua soberania decidiu que o homem seria livre (ainda que limitadamente) e perfeitamente responsável por seus atos.

Abraço o paradoxo por que qualquer formato não explica a plenitude do ensino bíblico.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Os santos também sujam os pés.



Um dos mais fascinantes momentos bíblicos, ao meu ver, é o momento em que Cristo, durante a última ceia, lava os pés dos discípulos. Toda vez que tento imaginar essa cena, meus olhos marejam... é simplesmente linda!!! E quanta coisa nos ensina...

Ali estavam eles, os discípulos... haviam andado com o Mestre por alguns anos, contemplando face a face o verbo, Deus encarnado, sentindo o cheiro de Deus, vendo o “jeitão” de Deus, ouvindo sua voz...

Mas estava chegando a hora final, a cruz que era desde a eternidade se fazia urgente, palpável, vinha dos tempos eternos para rasgar a história e ver cravada nela o cordeiro imolado desde antes da fundação do mundo. O que era fora do tempo, estava prestes a invadir a cronologia humana e executar o plano, o único plano de Deus para a salvação... a CRUZ.

Jesus então cinge-se com uma toalha, tira a vestimenta de cima, enche uma bacia com água e passa a lavar os pés dos discípulos. Vergonha!! Humilhação!! Quem lavava os pés geralmente era um servo, alguém a mando de seu senhor, dono da festa, dono da casa. Inversão de valores, servos sendo servidos, o Senhor era quem os servia, o dono da festa é quem “paga o mico”... e Ele se humilhou...

Pedro, em seu impetuoso temperamento, seu jeitão tosco, dono do mar, pescador destemido, na arrogância infantil que lhe era peculiar nega essa possibilidade: “nunca me lavarás os pés”. Gesto aparentemente humilde, pois trazia em seu bojo o reconhecimento da autoridade do Mestre, foi duramente reprovado por aquele que trazia a bacia e a toalha nas mãos: “Se eu não te lavar os pés, não tens parte comigo (...) quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais está todo limpo...”

Os santos também sujam seus pés no caminho!

Mesmo aqueles que tem seus pés firmes na rocha, que caminham naquele que é o Caminho, podem por muitas vezes sujar os pés.

O que mais me fascina em Jesus é sua total compreensão da humanidade e sua não-religiosidade. Jesus hoje seria, com certeza, confundido com o AntiCristo por alguns líderes da “religião cristã”, pois seu modo de agir, suas palavras e sua maneira de encarar as coisas difere muito da chamada “moral evangélica”.

Jesus não seria “evangélico”. Cada vez mais me convenço disso. Seu modo de lidar com os erros, com as dificuldades daqueles que sujam os pés no caminho é totalmente diferente da forma como vejo a “igreja”. Ele cuida, ele trata, ele lava os pés, mas não deixa de dizer que o corpo já está limpo... são só os pés... empoeirados, sujos, machucados... quão diferente daqueles que jogam fora a criança junto com a água da bacia... tão típico dos grandes coronéis-apóstolos-super-pastores de nossos “arraiais”.

Essa santidade que anda por aí, que não abre espaço aos pés sujos no caminho, essa eu não quero! Essa santidade do “não toque”, “não prove”, “não mexa” ... é a santidade dos fariseus. Paulo já dizia que essa santidade na verdade é falsa humildade, culto de si mesmo! (Cl 2.20-23). Essa santidade daqueles que querem ser mais santos do que Deus, daqueles que dizem que é pecado aquilo que Deus nunca chamou de tal, essa eu rejeito! A santidade dos “levitas”, dos “apóstolos”, dos “semi-deuses”, dessa eu quero distância.

Quero deixar claro que não estou fazendo uma apologia ao pecado! O mesmo Paulo que escreve o texto acima também diz que não devemos fazer uso dessa liberdade para dar ocasião à carne (Gl 5.13). Para a liberdade foi que Cristo nos chamou, principalmente porque nos libertou do império das trevas, da tirania da carne, para o reino do Filho do seu amor. Liberdade que nos faz responsáveis e que nos enche de gratidão pela graça (ah! a graça) que nos enche os pulmões e a alma do vento que sopra onde quer.

O que estou querendo dizer é que é possível, mesmo no Caminho, sujar os pés... e encontrar consolo naquele que lava pés, corações, mentes, olhos, simplesmente por ser a água viva.

Que Ele nos guarde de todo o mal no caminho que, às vezes, nos suja os pés.

Com carinho,

José Barbosa Junior